QUEM EVITA O VEXAME É O CRUZ-MALTINO

Jonathan da Silva
8 min readFeb 24, 2025

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No clássico entre os desesperados para evitar um vexame no Cariocão, venceu aquele que ao menos esboçou ser um time de futebol no Estádio São Januário. Com uma estratégia reativa eficiente, o Vasco da Gama derrotou o Botafogo por 1 a 0 e está classificado para a semifinal do estadual. Com o sexto revés no torneio e ainda à deriva, o atual campeão da América conseguiu terminar a primeira fase em um inacreditável nono lugar, fora até da Taça Rio, torneio de consolação dos eliminados. Absurdo.

Apenas com a vitória como possibilidade para avançar de fase, o Botafogo foi quem tentou se impor em São Januário nos primeiros minutos de partida. O glorioso marcou alto em seu 4–4–2 e até dominou a posse de bola, procurando propor ações em uma espécie 3–1–4–2. Diante do esboço de pressão, o Vasco não conseguiu sair ao ataque com consistência, apesar de tentar sempre começar jogadas com passes rasteiros. Não tinha o dinamismo para superar esse combate botafoguense. No entanto, sem a pelota, conseguia conter danos com uma boa marcação individual, postado longe da área para não correr demasiados riscos. Dava algumas brechas nas entrelinhas, mas compensava nas coberturas. E o alvinegro, por mais que fosse objetivo como deveria, não tinha a devida elaboração de jogadas no meio-campo. Só cruzava e forçava chutes de média distância, o que era insuficiente para prevalecer. Desta forma, nada de proveito dos visitantes na tentativa de abafa inicial.

Todavia, ainda antes dos dez minutos do primeiro tempo, o cenário do confronto mudou. O Fogão perdeu força na marcação adiantada e o Vasco conseguiu entrar de vez no jogo. O cruz-maltino soube inverter o panorama, passou a ser ele quem pressionava o alvinegro desde o começo das jogadas. O time de Fábio Carille marcava em um 4–3–2–1 que virava 4–5–1, com bastante agressividade. Justamente por isso equilibrou até mesmo a posse de bola, sempre buscando as transições de forma objetiva ao retomar a esfera. Por um lado, este novo modelo poderia ser útil para o glorioso, já que abriria espaços a explorar nas entrelinhas vascaínas. Contudo, a equipe de Caçapa não teve organização para criar de forma clara, apesar de algumas jogadas verticais. Por outro, esta era também a chance de o cruz-maltino finalmente assustar no campo de ataque. O Gigante da Colina não procurava infiltrar pelo meio, mas iniciava as jogadas por ali e esboçava chegar de forma incisiva pelos lados, em cruzamentos e diagonais, explorando de um ponto fraco do 4–4–2 do alvinegro. O Vasco não ainda não era criativo naquele momento, mas em uma das bolas cruzadas por Paulo Henrique, cavou um pênalti em toque de mão de Cuiabano. Na cobrança, aos 17 minutos, o matador Vegetti acertou o canto oposto para o qual John pulou e abriu o placar para os donos da casa. A vantagem vinha ainda antes do grande desempenho. Cenário muito bom para o cruz-maltino.

Da abertura do placar em diante, poderia se imaginar um restante de primeiro tempo marcado por um Botafogo sedento pela reação. Nada disso. Quem jogou melhor, com mais confiança pela vantagem, foi o Vasco. O cruz-maltino passou a ter ainda mais controle do jogo, já ditando o que o rival faria ou não, equilibrando a posse de bola e já cedendo menos brechas entre os setores de marcação. Além disso, potencializava ainda mais as jogadas pelos lados, com boas dobras em um 2–3–5 e muita velocidade. O time da casa chegou mais vezes com perigo, apesar de nada tão claro, mas não ampliou o placar. O alvinegro não tinha repertório para sair do buraco. Prendia a posse apenas entre zagueiros, não tinha mobilidade ou lampejos individuais pelo meio para encontrar algo de produtivo. Seguia no mesmo expediente de forçar cruzamentos e finalizações de fora da área. Totalmente previsível e aleatório, carente de um sistema sólido. Na prática, o Fogão apenas passava por uma continuidade do pouco rendimento no estadual, da sensação de estar à deriva, sem técnico, sem comando. Com justiça, a ida ao intervalo foi mesmo com vantagem vascaína no escore.

Nos primeiros minutos do segundo tempo, o Vasco conseguiu manter a postura do término do primeiro mesmo com as variantes táticas. O Botafogo passou a atacar de vez em um 2–2–6, enquanto o cruz-maltino se adaptou indo ao tradicional 4–4–2. O alvinegro até conseguiu acelerar mais as ações ofensivas, tendo mais presença para “rifar” pelotas na área, mas o time da casa não cometeu graves descuidos nas marcações individuais e não correu grandes riscos. Além disso, ainda era capaz de reter bola para passar tempo em alguns momentos e contra-atacar em outros. Tchê Tchê foi um diferencial como termômetro do time, tanto ajudando na marcação quanto definindo se era momento de explorar espaços com verticalidade ou segurar a posse para acalmar o ambiente. Parecia inspirado contra o ex-clube. O controle do clássico ainda era todo do Gigante da Colina, sem sofrimento, sem participações de Léo Jardim.

Com o desgaste vascaíno e as trocas ofensivistas do Botafogo, o cenário da partida passou por uma nova mudança por volta da metade do segundo tempo. De um lado, o alvinegro passou a atacar com maior frequência, voltando a ter um controle maior da posse de bola. Do outro, o cruz-maltino admitiu pela primeira vez recuar para perto da própria área no 4–4–2 e explorar contra-ataques pontuais. Teve alguns bons, mas sem perna para apoiar em número e com erros técnicos de quem subiu na hora de acabar as jogadas. A maior virtude dos mandantes foi mesmo resistir defensivamente. O glorioso seguia tentando criar de forma muito rudimentar, em cruzamentos e jogadas individuais. Com Rwan Cruz, Kayke Queiroz e Igor Jesus, o time de Cláudio Caçapa tinha três centroavantes de origem, ainda que taticamente não jogassem tão colados na mesma função. Todavia, na linha de seis final, eram os homens que mais entravam na área para fiar o chuveirinho. Só que o Gigante da Colina, apesar de ter sofrido em alguns desses levantamentos, “soube sofrer” e venceu a maioria dos duelos individuais e segundas bolas. Léo Jardim, mesmo nesse novo panorama, não foi figura decisiva. Até onde era demérito de um e mérito de outro é um debate de linha tênue. Mas o clube do rei assegurou o triunfo em casa.

Neste clássico da amizade entre times que exalam irregularidade, venceu aquele que ao menos tem um treinador na casamata. Ninguém jogou bom futebol, ninguém convenceu, ninguém foi revolucionário, mas a estratégia do Vasco para a partida foi melhor preparada e deu certo. O Botafogo tentou evitar o pior, tanto que escalou um time com diversos titulares, mas seguiu completamente aleatório e errante. O cruz-maltino, apesar das notórias limitações técnicas, soube encontrar um meio-termo entre se recuar e se adiantar demais. Foi reativo sem ser covarde. Foi ofensivo sem ser dominador da posse de bola. Teve lucidez e maturidade para atuar conforme as nuances do jogo. Desta forma, é o Gigante da Colina quem evita uma eliminação dolorosa e avança às semifinais do estadual para enfrentar o Flamengo. O vexame ficou mesmo por conta do alvinegro. Claro que machuca menos diante do brilhante 2024, mas cair três vezes seguidas na primeira fase do Cariocão certamente não é algo que condiga com a história do glorioso.

VASCO DA GAMA

Mesmo longe de brilhante, foi uma atuação positiva do cruz-maltino. A agressividade na marcação, a lucidez defensiva nos encaixes individuais e a boa fluência em contra-ataques foram pontos de destaque. Com estas virtudes, o Gigante da Colina conseguiu executar bem a estratégia reativa montada por Fábio Carille e controlar o Botafogo por quase toda a partida. Por momentos, houve até retenção da posse de bola por parte do conjunto vascaíno. Léo Jardim não precisou fazer grandes defesas. E parecia que a qualquer momento ainda aconteceria o segundo gol em uma das transições objetivas. Paulo Henrique, Lucas Freitas, Hugo Moura, Tchê Tchê e Vegetti foram notícias muito positivas. Claro que tecnicamente ainda há muito a evoluir e que ainda foram vistos espaçamentos defensivos, mas foram situações que hoje não comprometeram. E, o mais importante, o Vasco garantiu a classificação para a semifinal do Cariocão com um triunfo em um clássico da amizade dentro de casa. Evitou mais um vexame que não cairia nada bem para o objetivo de fazer uma temporada competitiva. Entretanto, agora vem uma pedreira contra o Flamengo e a irregularidade nesta fase inicial pode custar uma queda antes da final. Mas já não será fiasco.

BOTAFOGO

Não se viu nada mais que outra demonstração de como o glorioso está à deriva nesse começo de temporada. Claro, há a famosa discussão se isto é só falta de planejamento e ressaca pelo 2024 vitorioso ou se o calendário é esdrúxulo. Na realidade, é uma mistura de ambos os fatores. Mesmo com a utilização de diversas peças alternativas, o alvinegro poderia ter sido mais competitivo no estadual se ao menos tivesse um treinador. Com um rodízio até nos interinos, naturalmente não conseguiu se perceber o Fogão como um time de futebol, como um coletivo. Aleatório na construção de jogadas, dependente de individualidades e muito inseguro na marcação de contra-ataques. O Botafogo termina a participação constrangedora no Cariocão com seis derrotas em onze jogos, em um inacreditável nono lugar entre doze equipes, sem classificação nem mesmo para a Taça Rio, consolação dos eliminados. É o terceiro ano consecutivo que o clube da estrela solitária sequer chega às semifinais do campeonato. Claro, se esse fosse o “preço” pelas conquistas da Libertadores e do Brasileirão, o torcedor assinaria embaixo. No entanto, não existe nenhuma regra dizendo que o vexame deveria suceder a glória. Na quarta ainda há a volta da Recopa contra o Racing, em que o time botafoguense precisará quase de um milagre para ser campeão. Não é o início de ano que se esperava.

ARBITRAGEM

O experiente Bruno Arleu de Araújo até se escondeu atrás de cartões para tentar não perder o controle do clássico, mas não comprometeu tecnicamente. O pênalti marcado para o Vasco foi correto, já que Cuiabano não conseguiu colocar os braços para trás antes de tocar com a mão na bola. No mais, nenhuma invenção do apitador ou dos assistentes. Arbitragem decente em São Januário.

FICHA TÉCNICA

🗒️ VASCO DA GAMA: Léo Jardim; Paulo Henrique, João Victor, Lucas Freitas e Lucas Piton; Hugo Moura, Tchê Tchê (Jair), Coutinho (Payet), Lukas Zuccarello (Paulinho Paula) e Rayan (Puma Rodríguez); Vegetti. Treinador: Fábio Carille.
🗒️ BOTAFOGO: John; Vitinho (Mateo Ponte), Newton, Jair e Cuiabano; Gregore (Jeffinho), Marlon Freitas, Savarino, Matheus Martins (Kayke Queiroz) e Rwan Cruz (Yarlen); Igor Jesus. Treinador: Cláudio Caçapa.
🧮 Resultado: Vasco da Gama 1×0 Botafogo
Gol: Vegetti (Vasco da Gama)
👟 Assistências:
🟡 Cartões amarelos: Coutinho, Paulinho Paula, João Victor e Payet (Vasco da Gama) | Cuiabano e Newton (Botafogo)
🔴 Cartões vermelhos:
👨‍⚖️ Árbitro: Bruno Arleu de Araújo (Rio de Janeiro)
🏟️ Local: Estádio São Januário, Rio de Janeiro-RJ

BOLA DE OURO DO JOGO: Tchê Tchê/Vasco da Gama | FOTO: Matheus Lima/Vasco

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Jonathan da Silva
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Written by Jonathan da Silva

A visão jonathanista das coisas. Colorado apaixonado por esportes. Estudante de jornalismo. 23 anos de idade.

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