A COPA DO MUNDO DA EMOÇÃO

Jonathan da Silva
10 min readDec 19, 2022

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Ontem chegou ao fim uma grande Copa do Mundo. Dentro da cancha o Mundial do Catar não decepcionou e certamente ficará marcado na história. Grandes momentos, grandes surpresas, muitas emoções. O período entre 20 de novembro e 18 de dezembro de 2022 será sempre lembrado com nostalgia pelos fãs de futebol e até mesmo por quem apenas acompanhou este fenômeno chamado Copa do Mundo.

Valeu a pena esperar por quatro anos e meio. Nunca houve um intervalo tão grande entre uma Copa e outra tirando a época da Segunda Guerra Mundial. Alimentou ainda mais a expectativa do público. E não decepcionou. No que pode ter sido o último Mundial com sede em único país e no que foi o último com 32 seleções, um mês vivido intensamente de futebol. Da fase de grupos ao jogo da final, adrenalina não faltou. Grandes narrativas, batalhas e heróis.

A Copa do Mundo de 2022 se tornou a edição com mais gols anotados na história da competição. Com 172 bolas na rede, superou os 171 tentos do Brasil em 2014 e da França em 1998. Muito por conta de uma final épica, sem precedentes. Um jogo cheio de gols e de emoções. E com a cara desta Copa. Seis tentos, prorrogação, pênaltis. Quando parecia que algo era definitivo, a reviravolta acontecia. Só mesmo a a disputa de penalidades máximas se mostrou sem volta, consagrando a Argentina campeã. Mas o duelo de trocação pura, com ataques constantes de lado a lado na reta final da partida, simbolizou bem a adrenalina pura de futebol que presenciamos no Catar. Se muitas outras finais de Copa tiveram prorrogação, em nenhuma destas vezes a batalha foi tão emocionante e brilhante tecnicamente.

Mas a final épica foi apenas a cereja do bolo. A quantidade de surpresas nos estádios cataris impressionou. Quando o planeta bola temia a amplificação do domínio europeu na competição, times periféricos que apareceram para arrancar fortes suspiros dos fãs, derrubando favoritos. Quem poderia esperar uma vitória da Arábia Saudita sobre a Argentina, que viria a ser campeã após aquilo? E não parou por aí. Na sequência, a liderança do Japão em um grupo com Espanha e Alemanha, esta última eliminada mais uma vez na fase de grupos. Os nipônicos perderam para a Costa Rica, mas ganharam de virada da Alemanha e da Espanha. Marcante. E nesta chave por segundos chegaram a estar passando Japão e Costa Rica, enquanto esta vencia a Alemanha, antes de levar uma virada para os alemães. Teria sido o caos total com a eliminação de Espanha e Alemanha juntas na primeira fase. Na última rodada da fase de grupos então, o que não faltou foi zebra. A Tunísia derrotou a França por 1 a 0, única derrota dos vice-campeões na competição; a Coreia do Sul bateu Portugal por 2 a 1 e, após dada como morta, passou em um grupo em que Uruguai e Gana ficaram pelo caminho; Camarões venceu o Brasil por 1 a 0 e por pouco não conseguiu a classificação. A chegada da Croácia em mais uma semifinal também não deixou de ser uma surpresa. A terceira colocada da Copa avançou em um grupo em que a Bélgica foi eliminada precocemente e ainda superou o favorito Brasil nas quartas de final. E o que falar do Marrocos, a maior de todas as surpresas desta Copa do Mundo? Liderou a chave com Croácia, Bélgica e Canadá. Derrotou os belgas por 2 a 0 em sua primeira grande vitória no Catar. E foi muito além. Nas oitavas de final, derrubou nos pênaltis a favorita Espanha. Nas quartas, liquidou a Península Ibérica com um triunfo de 1 a 0 sobre Portugal. Se tornou a primeira seleção africana a atingir uma semifinal de Copa. Perdeu para a França por detalhes na semifinal e ficou com o quarto lugar do Mundial. Absolutamente histórico e inesperado. E bonito. Um povo apaixonado por futebol como o marroquino merecia esta alegria. A festa nos estádios e no país africano foi lindíssima. Certamente a façanha dos Leões do Atlas contribuiu muito para a história desta Copa.

E se há surpresas, há decepções. O que é o choro de uma grande derrota para alguns é o sorriso de muitos outros. Já na fase de grupos ficaram pelo caminho seleções de valor como Alemanha, Bélgica, Uruguai, México, Dinamarca e Sérvia. Os alemães, treinados por Hans-Dieter Flick, campeão europeu com o Bayern em 2020, pararam em um grupo com Japão, Espanha e Costa Rica. Assim como em 2018, uma queda traumática na fase inicial para a segunda seleção mais bem sucedida da história dos Mundiais. Não menos conturbada foi a queda da Bélgica. Com um futebol xoxo e polêmicas internas entre os jogadores, pode ter sido o fim — melancólico — da maior geração da história da seleção nacional. Já o Uruguai não chegou com grande status ao Catar, mas em um grupo com Portugal, Gana e Coreia do Sul, era favorito a avançar. Ganhou apenas de Gana e ficou pelo caminho na primeira fase. Apesar da crise pré-Copa, já eram vários mundiais indo até o mata-mata. Desta vez o fim foi precoce. Para o México, após sete quedas seguidas nas oitavas de final do Mundial, o trauma veio mais cedo, já na fase inicial. O grupo tinha Polônia, Argentina e Arábia Saudita, não era fácil, mas a decepção após tantas edições consecutivas chegando ao mata-mata não foi menor. Dinamarca e Sérvia chegaram como duas das possíveis surpresas para a Copa. Bons times, organizados, competitivos. Não passaram da primeira fase. Não venceram sequer um jogo em seus grupos. A Dinamarca empatou com a Tunísia e perdeu para França e Austrália. A Sérvia empatou com Camarões e perdeu para Brasil e Suíça. No mata-mata, naturalmente grandes seleções cairiam. Mas há quedas e quedas. Há as quedas naturais, para fortes concorrentes, como as que experimentaram Holanda e Inglaterra, eliminadas por Argentina e França respectivamente. E há as quedas de Espanha, Portugal e Brasil. As duas primeiras eliminadas pela surpresa africana do Marrocos, em jogos de impotência ofensiva dos ibéricos. A última, uma grande favorita ao título, derrubada nos pênaltis pela Croácia. Mais uma vez que a maior campeã do mundo caiu no primeiro desafio contra uma seleção europeia na fase final. A quarta eliminação brasileira nas quartas de final dentro das últimas cinco Copas. A última grande surpresa presenciada no grande arsenal do Catar.

No entanto, jogos de alta qualidade técnica também não faltaram no Catar. Afora as já citadas surpresas, que configuram jogos inesquecíveis, outros duelos certamente prenderam a atenção do fã. Aquele empate em 1 a 1 entre Espanha e Alemanha, que cumpriu com as expectativas de grande jogo da primeira fase. A atuação de gala de Portugal na vitória por 6 a 1 sobre a Suíça, maior goleada desta Copa. Os duelos com pênaltis nas quartas, entre Argentina e Holanda, Brasil e Croácia. O choque marcante entre as rivais França e Alemanha, com avanço dos franceses. A grande decisão, que entrou sem dúvidas para o top 10 das maiores partidas da história dos Mundiais. Isto sem falar em outras partidas de menor peso histórico, mas que contribuíram para fazer bater mais forte o coração do torcedor a cada dia de Copa.

Bem como grandes jogos, grandes craques. A dupla da França, Griezmann e Mbappé, que conseguiu ter desempenho ainda melhor do que tiveram na campanha vencedora de 2018. Griezmann, como maior assistente da Copa, com três passes para gol. Mbappé como o grande artilheiro, com oito gols marcados, incluindo um inesquecível hat-trick na grande final. A última dança de Luka Modrić, que teve parceiros fantásticos como Perišić, Livaković e Gvardiol. Os nomes da grande surpresa marroquina, Hakimi, Amrabat e Ziyech. Fora outros grandes jogadores que não chegaram tão longe, mas jogaram demais: Bruno Fernandes, Casemiro, Jude Bellingham, Bukayo Saka, Cody Gakpo, entre outros. E claro, os protagonistas da campeã Argentina: o goleirão Dibu Martínez, o jovem criativo Enzo Fernández, a aranha talentosa Julián Álvarez, o experiente e decisivo Di María.

Mas há alguém que merece um parágrafo apenas para ele. O cara. O nome da Copa. O nome do futebol mundial. Lionel Messi. Aos 35 anos, o gênio argentino buscou sua Copa do Mundo. Após quatro tentativas frustradas, uma com direito a vice-campeonato em 2014, o extraterrestre alcançou seu maior objetivo: ser campeão do mundo com a Seleção Argentina. Aguentou muita pressão para chegar a esse momento. Foi chamado de espanhol, ouviu que não representava a Argentina, chegou até a anunciar a aposentadoria da seleção após os vice-campeonatos da Copa América consecutivos para o Chile. Mas ele superou. Deu a volta por cima. Amadureceu como líder. Craque sempre foi, não à toa é o maior artilheiro da história da albiceleste. Mas ganhou tons de Diego Maradona. Jogou pra longe a aparência de que não se importava com as derrotas e mostrou que não é menos argentino do que qualquer outro cidadão nascido no país platino. Teve um desempenho digno do saudoso Diego Armando. Em campo, sete gols marcados e três assistências dadas. Tentos em todas as fases da competição, incluindo todos os jogos do mata-mata. Dois gols na grande final e o pênalti convertido na disputa decisiva. Nos bastidores, o líder que tanto se cobrava. Não só o exemplo técnico, mas alguém que briga pelos seus companheiros, que dá a cara a tapa, que motiva, que encanta. Quantos atletas argentinos não disseram justamente que queriam dar o título para o Messi? Ele merecia. Uma entidade do futebol não poderia acabar a carreira sem esta taça. E veio da forma mais brilhante possível. Da forma mais Lionel Messi. Com brilho técnico, drama, grandes vitórias, atuações impecáveis. Se tornou campeão e o primeiro jogador na história a ser craque de duas edições do Mundial. Tirou a última interrogação qeu faltava sobre si. Não precisa responder mais nada. Depois da Copa América, que ajudou demais em seu amadurecimento como líder, o auge de sua carreira: campeão da Copa do Mundo com seu país. Em desempenho digno de criação de uma igreja, como a que possui o eterno Diego Armando Maradona.

Foto: ANNE-CHRISTINE POUJOULAT / AFP

Seja pelo desempenho do seu grande craque ou pela forma como foi campeã, foi uma Copa com a cara da Argentina. Organização, talento, garra e, claro, muito drama. Nada nunca é fácil para a albiceleste. Chegou ao Mundial com mais de 30 jogos de invencibilidade e perdeu logo para a Arábia Saudita na estreia. Grande zebra. Mas a resposta veio. Duas vitórias convincentes contra México e Polônia, classificação obtida na liderança da chave mesmo após o flerte com a eliminação. No mata-mata, não menos emoção. Até contra a Austrália houve sufoco. Um 2 a 1 apertado com defesa brilhante de Emiliano Martínez no último lance do jogo. Nas quartas contra a Holanda, mais e mais drama. Após abrir 2 a 0 em grande atuação, um empate cedido nos minutos finais e classificação apenas nos pênaltis com Dibu Martínez mais uma vez sendo decisivo. Na semi o único momento de tranquilidade, um triunfo de goleada sobre a Croácia que colocou a equipe albiceleste em mais uma final. Na decisão, como não poderia ser diferente, drama total. De novo abriu 2 a 0 com brilho e cedeu um empate para a França na reta final. Desta vez fez ainda o terceiro gol na prorrogação e levou mais um empate. Mais uma vez foi preciso de pênaltis. Mais uma vez Emiliano Martínez pegou um, que foi crucial. Mesmo com um time tão organizado e talentoso, caos e drama não faltaram. É o modo argentino de viver. O flerte com a tragédia que aumenta o gosto do triunfo. Após 36 anos de espera, o povo argentino, fanático por futebol, é dono do mundo de novo. Merecido.

Os campeões de 2018 engrandeceram a conquista argentina. A França chegou com desconfiança por tantos desfalques e pela campanha patética na Liga das Nações da UEFA, mas em campo repetiu o desempenho da conquista na Copa anterior. Futebol reativo, boa marcação e produção absurda em contra-ataques, com Griezmann, Mbappé e Giroud se entendendo tal qual em 2018. Chegou à final desta forma, com vitórias maduras em todos os jogos do mata-mata, especialmente contra a Inglaterra em um 2 a 1 marcante. Na final, esteve perdendo por 2 a 0 por oitenta minutos e empatou em dois. Tomou o terceiro gol na prorrogação e buscou o empate novamente. Isto com um hat-trick inesquecível do craque Mbappé, que já tem doze gols em Copas do Mundo. Proporcionou contra a Argentina a final mais impressionante da história das Copas. Perdeu apenas nos pênaltis, como na decisão do Mundial de 2006 diante da Itália e mesmo na última edição da Euro contra a Suíça. Em 2018, venceu todos os jogos decisivos no tempo regulamentar. Nesta edição, até a final foi da mesma forma. Quando precisou de prorrogação e penais, caiu. Trauma.
Também é impossível falar de Copa do Mundo do Catar sem citar as controvérsias de fora do futebol. As mortes nas obras para o Mundial, que segundo o portal britânico The Guardian ultrapassaram a casa dos seis mil óbitos. O trabalho escravo em um país de calor absurdo. E o choque cultural com o ocidente, com a violação de direitos humanos para a população LGBTQIA+ e as limitações dos direitos das mulheres. É incompreensível a realização de uma Copa em um país tão fechado como o Catar. Não tem tradição no futebol, não tem uma grande população, não tem histórico de paixão por esportes, não tem grandes atrações turísticas. Tem dinheiro. Isto diz tudo. Mas com certeza uma Copa que foi fantástica dentro dos gramados não teria perdido em nada se fosse realizada em outro país.

No fim das contas, acaba a Copa e começa a saudade. Respirar futebol é o sonho do fã e um entretenimento enorme para quem não acompanha tanto o esporte. O auge do futebol, que tanto se espera. A magia aconteceu. Agora, só em 2026, nos Estados Unidos, no Canadá e no México. O formato com 32 seleções terminou da melhor forma possível. Não é absurdo colocar o Mundial do Catar como um dos melhores da história dentro do campo. Deixa saudades. Mas como dizem, vida é aquilo que acontece entre uma Copa e outra. A ver os legados que esta deixará.

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Jonathan da Silva
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Written by Jonathan da Silva

A visão jonathanista das coisas. Colorado apaixonado por esportes. Estudante de jornalismo. 23 anos de idade.

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